quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Mudança na São Silvestre é quebra de tradição ou falta de vontade?


legenda: Marilson vence a São Silvestre 2010, com chegada na Paulista

A notícia é antiga, a mudança no percurso da São Silvestre foi anunciada há mais de uma semana. Para quem ainda não sabe, a corrida mais famosa da cidade, no dia 31 de dezembro, não vai mais acabar na Paulista, mas sim no Obelisco do Ibirapuera. Até aqui eu não tinha me manifestado sobre isso. Queria primeiro ouvir alguns argumentos contra e outros a favor até formar a minha própria opinião. Confesso que, ao contrário de muitos corredores, que de cara ficaram revoltados com a notícia, o mesmo não aconteceu comigo. Nem depois de ouvir todos os argumentos que poderia ouvir. Concordo com pontos dos dois lados. Comento alguns a seguir:

1 - Terminar a corrida na descida da Brigadeiro vai machucar muita gente. Alguns técnicos e até ortopedistas se manifestaram sobre isso, explicando que "sentar a bota" na descida, coisa que muita gente (e muita gente mal treinada) certamente vai fazer, aumenta as chances de lesão. Experiência própria: todas as vezes que treino em terrenos montanhosos, como o Pico do Jaraguá ou a Aldeia da Serra, passo os dois dias seguintes com "dor de descida", pela sobrecarga na região do quadriceps. E olha que eu treino regularmente, e sempre nas ruas (que nunca são 100% planas). Imagine quem treina apenas duas vezes por semana, e na esteira, com foco só na São Silvestre...

2 - Corridas que largam num lugar e chegam em outro são um pesadelo para os corredores. Fato. Isso atrapalha, e muito, a logística. Muita gente vai de carro para a largada, e aí tem de voltar até ele para chegar em casa. Para quem opta pelo transporte público, a falta de metrô no Ibirapuera também pode ser um entrave.

foto: Reprodução
A primeira São Silvestre, em 1924: só para homens
3 - Tirar a chegada na Paulista é quebrar uma tradição, e a gente precisa brigar para manter as tradições. Bom, aí tenho minhas ressalvas, porque a palavra "tradição" por si só não serve de argumento para se manter algo. A própria São Silvestre já quebrou sua tradição algumas vezes, e que bom que o fez! A corrida, quando foi criada, em 1924, era exclusiva para homens e só podia correr quem morasse na cidade de São Paulo. Imagino que, em 1975 (sim, meus caros, 51 anos depois!), quando finalmente as mulheres foram autorizadas a participar, muito macho reclamou: "Pô, estão quebrando uma tradição de mais de meio século!". Tradições, que bom, podem e devem ser quebradas quando o passo que se dá adiante é para melhor. A questão, no caso do percurso da nova São Silvestre, é saber se, sim, a mudança é para melhor.

4 - O argumento da organização da prova é o de que a chegada dos corredores na Paulista, mais a chegada de quem vai passar o réveillon na festa montada na avenida, congestiona demais a via. A saída encontrada para eles foi desafogar uma delas. Aí até concordo que, entre tirar 12 mil corredores da Paulista, a tirar os 2 milhões de foliões do Réveillon, é mais fácil tirar os corredores (e justo, a meu ver, ainda que a corrida tenha vindo primeiro). Mas é exatamente este argumento que instalou uma pulguinha atrás da minha orelha. E, por mais opiniões e prós e contras que eu ouça, ela continua aqui, cabreira, atrás da minha orelha. No ano passado, os corredores foram surpreendidos com uma notícia amarga em cima da hora, pela organização da São Silvestre. Também para "aliviar o tráfego" (ops, o argumento é antigo), a medalha seria entregue aos participantes já no kit da corrida, antes de qualquer um deles cruzar a linha de chegada. Juro que até tentei entender o incompreensível. Mas (tá, sou loira!) não deu! Nenhum - repito NENHUM - argumento justificaria entregar a medalha antes. Nenhuma nobreza, por maior que fosse, em algum deles, seria suficiente. Se os caras estavam recorrendo ao último recurso, ao mais baixo, ao mais injusto, sem antes apresentar outras saídas, para mim ficava claro que o que faltava ali era vontade e respeito aos consumidores, os corredores que estavam pagando para participar e, sim, receber a medalha na linha de chegada. Como já disse acima, assim que soube da mudança do percurso, este ano, e (epa!), com o mesmo argumento usado para a palhaçada da medalha, não me revoltei porque vou descer a Brigadeiro no lugar de cruzar a linha na Paulista. Me revoltei, sim, porque a pulguinha atrás da orelha mais uma vez sinalizou: tem cheiro de falta de vontade aí, de saída mais fácil, de caminho mais cômodo para a organização -- ainda que, de novo, os consumidores saiam desta história lesados. Juro que se alguém (prefeitura, CET, organizadores) conseguir me provar que a única saída para o problema do "trânsito" de pedestres é, sim, mudar o percurso, aceito numa boa. Se apresentarem outras alternativas e, diante delas, me mostrarem que a mudança é o que resta, me calo. Mas, até lá, fica aqui o meu barulho!

Comentários | »

    Bruno Vicari
    14/09/2011 19h22 Apa, parabéns pelo texto! Não estamos preocupados com a mudança ou só com a tradição da prova, mas sim com o seu futuro! Abs
    Shigueo
    14/09/2011 19h00 Respondendo à pergunta do título deste post, acho que são as 2 coisas. Concordo que infelizmente a minoria neste caso são os corredores em se comparando com a grande massa que vai pra festa de final de ano. Mas com esses constantes desagrados ao corredor que vai prestigiar a SS, me pergunto se essa desfiguração da prova não irá afugentar os corredores. Eu estou contente em poder dizer que fiz pelo menos uma SS que terminava na Paulista. Eventualmente posso até me interessar por fazer uma no novo percurso para comparar as duas mas por enquanto não tenho vontade de repetir a prova. O lance da medalha antes da prova foi uma bofetada na cara de quem encara sério os treinos e tem orgulho de dizer que correu a SS. Já se convenceu que NYC vai ser melhor que Amsterdam? hehe Inté, Shigueo
    Renata M. Domingos
    14/09/2011 17h17 Esta minha amiga escreve bem pacas. Concordo com vc! A minha pulga tb se instalou por aqui, e não para de falar "oxente", "oxente", "oxente"! Beijos.

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